29.9.09

P de Poetas Intemporais: José Régio

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio – Cântico Negro

28.9.09

P de Palavras: cada um junta as suas

Dependendo da inspiração, cada um olha para as palavras e descobre-lhes um sentido seu. Difere do sentido que o autor das mesmas lhes deu ou não, difere do sentido que outro leitor lhes deu, com certeza, mas não deixam de ser palavras, palavras importantes porque mudaram alguma coisa para quem as leu.

Há palavras gastas, há palavras a quem ninguém dá atenção, há palavras que nos envolvem, há palavras que nos ferem de morte, outras há que nos arrancam gargalhadas, outras não, há palavras cunhadas, palavras resumidas, emprestadas, há simplesmente palavras...

Todos os dias, inevitavelmente, julgamos as palavras dos outros, dando ou retirando-lhes valor. Cada um guarda à sua maneira a essência de cada uma delas.
Não procura impor as suas. E se não tenta fazê-lo, dispensa por isso a insignificância a que outros parecem querer reduzir as suas...
Ninguém é melhor que ninguém no que toca a juntar palavras!

Há espaço que chegue para todos, mesmo para aqueles a quem falta as palavras.
Aparecem palavras de todos os lugares, ávidas por preencher o branco da página, tenha ela o formato que tiver. Só querem ser manuseadas, acarinhadas, lidas ou repetidas vezes sem conta.
E se AQUI, fizerem eco abalroando quem nada procurava, tanto melhor. O vazio fica preenchido!

24.9.09

H de Humildade: noção do ridículo

Devíamos rir à gargalhada, não dentro de nós, mas a bandeiras despregadas, sempre que se ergue bem à nossa frente um rei ofendido, alguém que se acha desconsiderado pelo mundo em geral, incompreendido em última análise, reclamando direitos que entende ter.
Devíamos rir porque...simplesmente...é ridículo.
Não é Carnaval.
NÃO há como não levar a mal...

23.9.09

I de Imagem: #1













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Foto: Lee Cooper/Reuters
Fiquei fascinada com esta imagem. Não sei dizer ao certo se foi com o brilho infantil no olhar deste pequeno marsupial que espreita, se com a curiosidade caracteristica da idade ou ainda se com o medo disfarçado de ser apanhado a fazê-lo.
Talvez tenha sido a inocência do gesto, a mesma de quem olha de trás da cortina em noite de estreia para ver se está muita gente na plateia.
Com o mesmo nervoso miudinho, este pequeno estranha os sons, o cheiro, a luz difusa que lhe ofusca a vista. Maravilhado pensa no quanto tudo é diferente lá fora e, assustado ou não, é obrigado a voltar para a segurança daquele espaço acanhado até ser tempo.
Não demora muito e já cansado de espreitar, deixa finalmente este mundo de palmo e meio de tamanho para partir à descoberta de tudo aquilo que recorda ter visto.
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Aprendamos com este pequeno marsupial que dá uma espreitadela a partir da bolsa da mãe. O segredo está em olhar para tudo com o mesmo deslumbramento que da primeira vez, como se tudo fosse novo e desconhecido. SEMPRE...!

14.9.09

E de Essência: como vês a tua vida?


Junta-se no interior de um Bistrot um grupo de amigos que debatem a essência da vida.
Para um, a essência da vida não é cómica. É trágica.
A tragédia toca a verdadeira e dolorosa essência da vida. A tragédia confronta.
Enquanto para o outro, as aspirações dos humanos são tão ridículas e irracionais (que só nos apetece rir). A comédia escapa.
Subitamente um terceiro desafia os dois a analisar um episódio banal a que assistiu. Lança o repto e questiona os amigos se aquela história tem material para uma comédia ou para uma tragédia.
Cada um molda a história que ouviu de acordo com a sua visão da vida.
Assistimos de um lado a uma tragédia – a queda de uma mulher apaixonada, enquanto o outro compõe uma deliciosa comédia romântica.
No final, ambos concordam que não há uma essência definitiva que se possa eleger e brindam. Brindam aos bons e maus momentos. Trágicos ou cómicos, a coisa mais importante a fazer é gozarmos a vida enquanto podemos porque só passamos por cá uma vez, e quando acabar, acabou. E quando menos esperamos, pode acabar assim... (com um estalar de dedos).
Woody Allen, 2004 - Melinda e Melinda

11.9.09

C de Citação: #3




Nunca se pode concordar em rastejar, quando se sente ímpeto de voar
Keller, Helen

10.9.09

Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um pirilampo.
Ele fugiu com medo da feroz predadora, mas a cobra não desistia.
Um dia, já sem forças, o pirilampo parou e disse à cobra:
- Posso fazer três perguntas?
- Podes. Não costumo abrir esse precedente,
mas já que te vou comer, podes perguntar.
- Pertenço à tua cadeia alimentar?
- Não.
- Fiz-te alguma coisa?
- Não.
- Então porque é que me queres comer?
- PORQUE NÃO SUPORTO
VER-TE BRILHAR!

9.9.09

D de Desafios: ousar viver

Fernando Pessoa deixou escrito haver um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares.
Não é fácil deixar para trás a segurança das "roupas usadas". Levámos algum tempo a fazer os ajustes necessários para que ficassem perfeitas e agora que nos pedem para as colocarmos de lado, não podemos deixar de sentir alguma relutância em fazê-lo, muitas vezes apenas por uma questão de comodidade. Os hábitos acumulados moldaram a nossa forma de estar e pensar em mudar isso agora deixa-nos com os nervos em franja.

Os nossos dias foram caindo numa rotina confortável em que não nos era exigido mais do que o necessário para que a máquina não parasse. Trataram de olear bem a engrenagem de forma a manter a vontade cativa e direccionada para os lugares de sempre.
Mas eis que chega o dia em que nos obrigam a ponderar se queremos ser apenas mais uma peça da engrenagem ou se queremos ser a mão que põe a máquina a funcionar.
O caminho é sinuoso.

Ninguém disse que iria ser fácil aprender a pensar e a caminhar de novo.
Mas se não ousarmos fazê-lo, ficará para sempre a dúvida, e se...
Alimentada por um arrependimento crescente acabará por roubar-nos a vontade e atirar-nos para um estado de alheamento em que mais não fazemos do que amaldiçoar o peso que a vida ganhou subitamente.
E antes que seja tarde, é preciso parar para pensar: vamos continuar a culpar tudo e a todos por não termos tido a coragem necessária para arriscar ou vamos fazer algo para mudar isso e começar a escrever a nossa história de uma vez?

7.9.09

C de Citação: #2


«Não existes para impressionar o mundo.
Existes para viver a tua vida de um modo que te faça feliz.»
Richard Bach

> Impressiona-te com a vida e tudo aquilo que conseguires enquanto o fazes.

5.9.09

N de Nostalgia: a minha infância

Descobri entre conversas este cantinho sobre a minha terrinha - Rapoula do Côa.
Ver as imagens deste mês de Agosto, as pessoas, a minha professora da escola primária...foi como voltar uma eternidade atrás! (e não, não estou na foto!)
Recordar as brincadeiras: os bolos de lama com cobertura verde de limos, as casinhas que construíamos, o jogo do prego, dos "países" e das "vacas para a Espanha", foi como que chamar de volta aquela criança adormecida pelo tempo que passou...
Parabéns pela iniciativa!

4.9.09

C de Citação: #1


"O pensamento voa e as palavras vão a pé: eis o drama do escritor"
Julien Green

P de processo criativo: um mundo maravilhoso

Quando não encontramos as PALAVRAS certas para traduzir aquilo que sentimos, seguimos o caminho mais fácil...procuramos e pedimos emprestado as palavras de alguém.
No meu caso e enquanto deambulava por aí (obrigada ao Mudar a Face da Lua) encontrei este pedaço de VERDADE para explicar o que aconteceu aqui:
"Quando você está inspirado por algum grande objetivo, algum projeto extraordinário, todos os seus pensamentos libertam-se de seus grilhões.
Sua mente transcende as limitações, sua consciência expande-se em todas as direções, e você se descobre em um mundo novo, notável, maravilhoso.
Forças, faculdades e talentos adormecidos tornam-se vivos e você descobre que é uma pessoa muito mais fantástica do que alguma vez sonhou."
(Patanjali)

(retirado do Pensamento Positivo)

3.9.09

P de poder: o poder do mal-entendido

Incrível o poder de destruição maciça que pode alcançar um mal-entendido já que, pensando bem, não é mais do que algo que não foi entendido correcta ou perfeitamente, situação facilmente resolvida com uma dúzia de PALAVRAS, não fosse a pré-disposição das pessoas em acender este rastilho e ficar a ver o alcance da explosão.
Não ficam senão cacos, pedaços difíceis de juntar novamente.
Há quem amaldiçoe profundamente o instante em que tais palavras foram pronunciadas ou a falta delas no momento certo e há quem faça por calar as palavras necessárias para colocar tudo no lugar, o orgulho fala por vezes mais alto e há ainda quem aproveite para acrescentar palavas carregadas de ressentimentos antigos.
Nunca até hoje fez tanto sentido a frase "Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida".
Uma palavra irreflectida viu-se subitamente transformada numa flecha, abrindo uma fenda difícil de reparar na fachada de uma convivência já por si difícil.

1.9.09

A de acaso: palavras e letras

a palavra foi dada ao homem para que este pudesse explicar e partilhar os seus pensamentos (Moliére). as letras que junta não são mais do que o meio que utiliza para que estes fiquem gravados na parede do Tempo e nas páginas da Memória, para sempre.
tomando consciência das letras, toma consciência de si, aprende a conhecer-se e a reconhecer e, enquanto o faz, vive plenamente tudo aquilo que o rodeia.

assim, e como que mexendo um turbilhão de sentimentos, a colher da inspiração compõe uma Sopa, uma Sopa de Letras.
aquele que a provar vai dar-se conta de que havia um espaço vazio que precisava ser preenchido, saciado diria, que em surdina, lhe devorava as entranhas, distribuindo reticências e pontos de interrogação.
recomeçando, esse espaço acaba aqui...